sexta-feira, 20 de maio de 2011

O Espelho


imagem: site "If we don't, remember me". Fotografia do filme Orphée (1950)

Gostaria muito de compartilhar com todos esse conto do genial Machado de Assis, que foi trazido por Renata Pitombo, para uma discussão sobre a construção simbólica da indumentária e sua importância na construção da personalidade humana. Tivemos o luxo de ter uma leitura dramática com Antônio Fábio, com direito a arrepio no final. Mas, mesmo sem a interpretação forte do ator, o texto é muito bom. Então, com vocês: O ESPELHO.

(...)

"O alferes eliminou o homem. Durante alguns dias as duas naturezas equilibraram-se; mas não tardou que a primitiva cedesse à outra; ficou-me uma parte mínima de humanidade. Aconteceu então que a alma exterior, que era dantes o sol, o ar, o campo, os olhos das moças, mudou de natureza, e passou a ser a cortesia e os rapapés da casa, tudo o que me falava do posto, nada do que me
falava do homem. A única parte do cidadão que ficou comigo foi aquela que entendia com o exercício da patente; a outra dispersou-se no ar e no passado. Custa-lhes acreditar, não?"

(...)


"porque no fim de oito dias, deu-me na veneta olhar para o espelho com o fim justamente de achar-me dous. Olhei e recuei. 0 próprio vidro parecia conjurado com o resto do universo; não me estampou a figura nítida e inteira, mas vaga, esfumada, difusa, sombra de sombra. A realidade das leis físicas não permite negar que o espelho reproduziu-me textualmente, com os mesmos contornos e feições; assim devia ter sido. Mas tal não foi a minha sensação. Então tive medo; atribuí o fenômeno à excitação nervosa em que andava; receei ficar mais tempo, e enlouquecer."

(...)

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